terça-feira, 5 de julho de 2011

"Um corpo estranho"

“A imagem da viagem me serve, na medida em que a ela se agregam idéias de deslocamento, desenraizamento, trânsito. Na pós-modernidade, parece necessário pensar não só em processos mais confusos, difusos e plurais, mas, especialmente, supor que o sujeito que viaja é, ele próprio, dividido, fragmentado e cambiante. É possível pensar que esse sujeito também se lança numa viagem, ao longo de sua vida, na qual o que importa é o andar e não o chegar. Não há um lugar de chegar, não há destino pré-fixado, o que interessa é o movimento e as mudanças que se dão ao longo do trajeto. Como acontece com os personagens de Diegues, o motivo da viagem se altera no meio do caminho; uma vez alcançado, o objetivo deixa de ser importante e se converte em outro; os sujeitos podem até voltar ao ponto de partida, mas são, em alguma medida, ‘outros’ sujeitos, tocados que foram pela viagem. Por certo também há, aqui, formação e transformação, mas num processo que, ao invés de cumulativo e linear, caracteriza-se por constantes desvios e retornos sobre si mesmo, um processo que provoca desarranjos e desajustes, de modo tal que só o movimento é capaz de garantir algum equilíbrio ao viajante.” 

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho. Belo Horizonte: Autência, 2004. p. 13

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